domingo, 7 de dezembro de 2008

Mochilão 2008 - Dia 13

O oceano do lado de lá


De uma coisa ninguém pode reclamar sobre minha pessoa, eu penso muito em não incomodar as pessoas a minha volta, especificamente com coisas que eu sei que me incomodaria ou até mesmo que não me incomodam mas faz parte de um “consenso incomodativo coletivo”. Por ter escolhido em todos os hostels que freqüentavam quartos coletivos como forma de economizar nas hospedagens, acordar de forma silenciosa para não incomodar o sono dos demais era a minha filosofia. Pena que a recepcionista do horário que eu necessitava acordar e que, por conseqüência, ficara incumbida em me acordar no horário que solicitara no dia anterior, não tinha essa mesma noção. Foi quando, no horário marcado, ela entra no quarto falando alto para todos: “Jayme, Jayme, Jayme!!!” me levantei assustando e dizendo com uma voz cerrada:
- soy yo, acá – esfregando o olho de cima do beliche.
- Son las 05:30 y...
- Gracias, gracias – Tentando minimizar a conversa.
Fui me preparar para a atividade do dia no ritual de sempre. Desde o primeiro dia até agora estava seguindo uma rotina de banho na qual não modificava por nada e esse hábito não surgiu fruto de um costume, mas sim de um planejamento minucioso baseado em alguns princípios da viagem, ainda na fase de projeto.
A primeira base para a metodologia criada tinha seus alicerces no meu suporte financeiro da trip. O dinheiro da viagem foi separado em três grupos: parte em pesos trocados ainda no Brasil, outra parte em reais e o restante no limite do cartão de crédito. A quantidade de dinheiro estava na exata medida para me sustentar ao longo dos 16 dias, o dinheiro em moeda local para os casos onde não eram aceitos o cartão de crédito, o complemento em reais, para o caso de acontecer uma urgência, seriam trocados durante a viagem e o restante com uma boa margem de folga no cartão de crédito para caso eu quisesse fazer da jaca pantufa e estrapolar. Levei uma grana em moeda local a mais pois o risco do cartão de crédito falhar era real e o ideal seria ter levado dois cartões de bandeiras diferentes, estratégia essa que será levada em consideração na próxima viagem. Todo esse dinheiro não deveria correr riscos de nenhuma natureza pois o próprio rastafari do papo gastronomico da noite anterior contara que um brasileiro que o fez companhia durante certo trecho de sua viagem roubara alguns pertencer de outros hóspedes e sumiu do mapa. Pior de tudo: brasileiro, fica difícil fugir desse estereótipo quando os fatos degridem a imagem de nosso povo. Pois com esse medo de que “brasileiros” ou alguém com a mesma inspiração viesse a mexer nas minhas coisas em busca do dinheiro, eu fizera uma pochete discreta que andava dentro da bermuda com toda a grana dentro dela em uma espécie de “personal cofre youself tabajara”. Logo eu apenas me separava do meu cofre durante o banho, e mesmo assim sobre minhas fortes vistas. Logo após o banho, um item estrategicamente escolhido para evitar possíveis irritações entre as pernas, fruto da rotina diária de caminhadas inerentes a atividade mochileira, era o hipoglós cujo uso era sempre usado preventivamente, não aguardando a irritação aparecer. E até agora o mesmo funcionava de forma plena. Para completar o ritual, andava sempre com um tubo de gelol na mochila para aliviar dores nas costas que vez por outra usava também de forma preventiva, mas que nos últimos dias estava usando bastante depois do estralo no rafting. Mas hoje a coluna já estava mais simpática e a dor vinha dia após dia amenizando, apesar de sentir ao longe uma leve pontada em sua base.
Para esse dia marquei com a Elaine de seguirmos para o litoral e conhecer duas cidades famosas do Chile: Valparaiso e Viña Del Mar. Finalmente iria ver uma praia, coisa que eu adorava, e como Vinã Del Mar era um balneário a curiosidade apenas aumentava. Marquei com a Elaine em uma estação de metrô que ficava no meio do caminho para a estação de ônibus e seguimos até ela. Naquele horário pude acompanhar à hora do rush da manhã e ver o quanto os estudantes primários e secundários se vestem como emos. É incrível mas mais da metade, creio que 80% deles, tem um aspecto que mescla o emotion hardcore com os personagens da novela Rebelde. Chegando a estação, pegamos um ônibus e seguimos viagem por quase 1 hora até o litoral, por meio de montanhas, vales e escarpas, nada de mais.
Principal porto de Chile, localizado a 115 km ao oeste de Santiago, construído sobre 40 morros na costa de uma agitada baía, a verdadeira atração de Valparaíso são seus morros que dividem a cidade em dois níveis: na parte baixa, a área bancaria e comercial concentradas nas ruas Prat, Esmeralda e Avenida Pedro Montt, com seus cafés e teatros, e na parte superior, as características e pitorescas construções suspensas dos morros numa impressionante desenho de ruas serpenteadas, ruelas e passagens. Tradicional é o uso de elevadores para unir os dois níveis da cidade.
Já Viña del Mar nasceu da fusão de duas fazendas, las Siete Hermanas e Viña del Mar propriamente dita. O limite entre ambas era o estuário de Marga Marga, que atualmente cruza a cidade ao meio. A norte, nas Siete Hermanas, se plantaram vinhedos que, com o passar do tempo, se tornaram conhecidos como la viña de la mar, que derivaria no atual nome "Viña del Mar".
Viña del Mar é considerada a capital turística do Chile, graças aos grandes dividendos gerados por este setor econômico. A cidade conta com ampla rede hoteleira e se fortaleceram durante os últimos anos todos os espaços que possam significar uma receita econômico advinda do turismo.
Ao descer na estação estávamos entusiasmados porem apreensivos em saber se daria tempo de ver tudo o que queríamos no espaço de tempo de um dia: aprender a ver, ver e ver com velocidade, não seria uma tarefa fácil. Fomos abordados por alguns taxistas que ofereciam serviços de passeio turístico, de certa forma ficamos relutantes de inicio principalmente da minha parte por gostar de me aventurar e sentir a cidade e sua descoberta, não olhá-la da janela de um carro como um objeto em exposição na vitrine. Sempre fui adepto do turismo praticante, sentir as coisas, cheirar, ver a vida e a dinâmica natural e antropológica acontecer e já me era frustrante demais ver as coisas na tela dos computadores e das televisões, isso para mim não tinha muita diferença da janela de um carro, porém tivemos que ceder. As cidades eram grandes, a espera dos ônibus e metrôs ou mesmo o tempo para descobrir onde pega-los, como chegar nos cantos, isso tudo era um risco que preferimos não correr. Optamos por um taxista simpático (claro, estava sendo remunerado para isso) e que prometeu nos levar para os lugares mais visitados. Fomos em primeiro lugar para a casa presidencial, local que não merecia muito tempo, mas que a principio era estranho: “porque existe uma casa presidencial aqui em Valparaiso?” pensei. Descobriria tempos mais tarde. Ficava em uma parte mais alta da cidade e era bem protegida, por muros e guardas. Seguimos no taxi e pedi para que o motorista pusesse o CD que comprada no dia anterior:
- Música 5 – Solicitei.
- Ok... – Respondeu o motorista, pulando as faixas iniciais do CD
- Ahhh Roberto Carlos?? A mi me gusta mucho – Falou com um ar de entusiasmo, para meu espanto.
O motorista conhecia, e muito bem, Roberto Carlos. Não só ele, como eu viria a descobrir mais tarde, mas muitos latino-americanos eram fãs do rei. Interessante informação, apesar de óbvia tendo em vista os discos em espanhol gravados por ele.
Seguimos para o relógio de flores, situado diante da praia de Caleta Abarca, na avenida que a une a Valparaíso. O relógio foi construído especialmente para dar as boas vindas à Copa do Mundo de Futebol de 1962, disputada na cidade. Tiramos algumas fotos mas também não muito atraiu nossos olhos. Bonito, interessante, legal... nada mais. Fato interessante que acontece na cidade, e que o motorista estava explicando ao logo do percurso, era uma névoa úmida que cobria toda a cidade e que se dissipava por completo ao meio dia. Deixava a cidade visualmente limitada e de certa forma era estranho tanta névoa, ainda mais sabendo que ela fazia parte da rotina. Seguimos em um roteiro não totalmente definido e o motorista perguntou se queríamos conhecer a associação de pescadores de Valparaiso. Achei interessante e fomos lá, principalmente porque poderíamos comprar camarões para o jantar de mais tarde. Todos os dias os pescadores saiam mar a dentro e voltavam no inicio da manhã. Separavam peixes e crustáceos na associação e, ali mesmo, faziam as primeiras vendas. As iguarias, apesar da semelhança, eram bem diferentes das que estamos acostumadas. Mariscos enormes, mexilhões, peixes que não existem em nossa costa ou mesmo uma espécie de coral que nasce nas pedras e é comestível. Olhamos em volta, tiramos algumas fotos no píer dentre gaivotas e pelicanos voantes e grasnantes. Os camarões já tinham se esgotado então seguimos adiante. Parada rápida no congresso nacional para tirar uma foto. Pois é, o congresso nacional fica em Valparaíso e não em Santiago. Fato curioso: é o único pais do mundo onde o congresso não fica na capital e isso era a justificativa da casa presidencial. Mais adiante na nossa visita apressada, paramos em uma praça onde fica a “armada de Chile”, uma edificação que sedia a parte administrativa do porto militar e logo a frente uma praça com um monumento aos heróis chilenos. Praça estranha que se confunde com a rua e se você não tiver cuidado corre o risco de ser atropelado. Seguimos para conhecer uma parte alta da cidade e utilizar o meio de transporte que mais representa a cidade: os ascensores ou funicular. Subimos ate o museu naval e marítimo, cercado por uma vista ampla do porto e por uma feirinha de souviners. 0 museu, instalado nessa mansão adaptada acaba sendo, então, um prato cheio para praticar um exacerbado sentimento ufanista. De qualquer forma a visita é válida, nem que seja para conhecer o belo jardim onde o casarão está situado. 0 museu enfatiza a Guerra do Pacífico e destaca o ícone nacional desta batalha, Arturo Prat, além do fundador da Marinha chilena, Lord Cochrane. 0 local serviu de academia militar entre 1893 e 1967. O taxista subiu para nos esperar e logo após uma olhada no jardim do museu e algumas decepções com os preços das lembranças ao redor do local seguimos nosso rumo. Nessa altura do campeonato já estava arrependido de ter deixado para comprar as lembranças de viagem no Chile, visando não carregar muito peso, e ver que os vendedores, ao saber que você é estrangeiro, parece que o preço das coisas aumenta. Sem falar no esforço que os vendedores faziam para tentar falar português, que atrapalhava o meu aprendizado diário da língua espanhola.
Fizemos uma rápida passagem na La Sebastiana, casa de Pablo Neruda de Valparaiso. Como já tínhamos visto a de Santiago, passamos apenas na frente para ver o jardim e tirar algumas fotos, em poucos minutos já estávamos segundo o rumo de Viña Del Mar para a etapa final de nossa viagem. Queria muito conhecer o cassino Vinã Del Mar, pelo simples fato de nunca ter visto um ao vivo, besteira mas era um desejo particular. Paramos em uma praça e seguimos a pé para conhecer a região circunvizinha. Carruagens para passeios, belos prédios, o lugar era muito atraente e interessante. Entramos no cassino que estava abrindo e vazio. Tiramos algumas fotos de forma sorrateira, pois era proibido no local, e saímos logo. Próxima e última parada: almoço. Caminho fantástico pela via costeira de Viña. A névoa já havia dissipado em quase sua totalidade e o mar se mostrava grandioso. Mas esse não era o mar que estava acostumado, e sim o oceano pacífico. Molhado, grande, salgado... mas era o oceano pacífico. Estava eu pela primeira vez de costas para o mar no qual tinha crescido e aprendido a gosta para ver um novo mar. Paramos em um restaurante para almoçar, indicação do motorista claro, o mesmo devia ganhar uma comissão para tal. Comemos algumas iguarias marítimas como já viria a se tornar rotineiro e conversamos bastante. A vista dava para o mar e acrescentava a refeição todo aquele entusiasmo. Terminamos a refeição e fui colocar meus pés na areia e na água, sentir o mar do pacífico. Vi logo porque não tinha ninguém tomando banho: a água era gelada, exceção apenas a um garoto que não se incomodava com tal temperatura. Voltamos para o taxi e fomos deixados no centro da cidade, perto da estação de ônibus, pagamos e agradecemos a ele. Fiz algumas ligações referente as atividades do dia seguinte e seguimos para pegar o ônibus. A volta foi mais silenciosa, estávamos bem alimentados e isso influenciava no cansaço.
Segui para o hostel da Elaine, para passar algumas fotos e nos despedir afinal de contas ela iria embora no dia seguinte. Conversamos um pouco, ela me mostrou algumas fotos dela de quando morava na Nova Zelândia e nos despedimos. Voltara a seguir minha viagem solitária a partir de então, apesar da mesma estar mais perto do fim.
Fui para o hostel e la estava o Marc Puszicha, sempre companheiro de conversas noturnas sobre cinema e temas correlatos, tomamos um vinho e conversamos sobre nossos dias. A noite foi tranqüila, poucas pessoas. A conversa não se alongou muito e segui para a cama. Agora a viagem já estava na reta final.

Dados:

Cogresso Nacional Chileno
Cassino Vinã del Mar