Ainda cedo, conheci meu vizinho de cama do albergue: José Luis Salido, espanhol de Barcelona, foi uma das primeiras pessoas com o qual pude treinar meu espanhol. Admirador de uma boa conversa, falamos um pouco sobre nossas viagens e sobre nossas vidas. Como não havia saido na noite anterior, eu já estava de pé bem cedo no domingo. Aproveitei para fazer uma das coisas que mais gosto de fazer: cooper. Foi uma ideia que veio bem a calhar, já que era uma forma bem saudável de fazer turismo. Devidamente fantasiado de corredor, desci para tomar café e pedi uma sugestão ao atendente do hostel de roteiro. De mapa aberto e dedo indicador apontando em trajetórias circulares, ele me sugeriu uma caminhada em volta de Puerto Madero. Vale lembrar que ainda nesse dia meu espanhol era deplorável e minha comunicação era um misto de inglês, espanhol e mímica. Um cooper de duas hora seria suficiente para voltar a tempo de encontrar com Karla, que ficou de passar no hostel as 10:00 e iniciar o nosso turismo portenho. Puerto Madero tem esse nome em homenagem ao comerciante Eduardo Madero que em 1882 apresentou o projeto de um porto, com fisionomia similar ao porto de Londres, ao governo nacional da Argentina. A construção foi aprovada e finalizada na última década do século XIX. Depois de vários problemas estruturais, o porto foi abandonado em meados de 1950 e ficou assim durante quase 50 anos mas, em 1989, o local do porto foi urbanizado e hoje é o bairro mais nobre e mais novo de Buenos Aires. Para um engenheiro e turista como eu, o cooper em Puerto Madero acabou se prolongando por muito tempo. Outro detalhe importante foi a inclusão de um fim de semana no tempo em que eu iria passar em Buenos Aires. Li em alguns sites que os cidadãos portenhos, diferente de São Paulo por exemplo, curtem a cidade nos sabados e domingos, e Buenos Aires acaba ficando mais interessante. Pessoas levando seus cachorros para passeiar, familias fazendo pic-nic no parque, ciclistas, patinadores, fotógrafos, gente de todo tipo curtindo a cidade de forma bem peculiar. Uma das obras mais interessantes de Puerto Madero é a Ponte de la Mujer, uma ponte de pedestres cuja arquitetura difere e muito do bairro como um todo. A ponte se move para permitir a passagem de navios e foi a primeira obra do arquiteto Santiago Calatrava construída na América Latina. Foi transportada, em partes, da Espanha para Buenos Aires em vários embarques. A estrutura de plástico da obra é interpretado pelo autor como a figura de um casal dançando tango, onde o mastro representa o homem e a silhueta curva da ponte, a mulher. É igualmente interessante e bonita, apesar d’eu achar a ponte muito estranha e divergente no visual do bairro. De volta da minha caminhada turística, já estava atrazado com relação à Karla, mas chegando no hostel, ela ainda não havia vindo, apenas ligado. Deu tempo de tomar um banho, trocar de roupa, tempo certo dela chegar ao Che Lagarto. Junto com a Karla, veio também uma amiga dela que conhecera na casa onde está hospedada: Jennifer. Nova Yorkina residente em Paris, Jennifer em nada lembrava uma americana e sim uma francesa. Era alta, elegante e bem magra. Estava em Buenos Aires à passeio, movida pela indicação de um amigo que havia falado que a capital argentina era “um dos melhores lugares para morar, junto com Paris”. Ela estava lá para comprovar esse fato. Interessante foram os motivos que a levaram a morar em Paris. Sempre julgando os nova-iorquinos frios e materialistas, ela foi movida pela dica desse amigo e se mudou para Paris, uma cidade mais romântica e mais humana. Estar em Buenos Aires seria uma espécie de desencargo de consciência dentro da sugestão de seu amigo. Em nosso roteiro de domingo iríamos conhecer a Feira de San Telmo, no bairro homônimo onde estava hospedado. Sempre acontecendo aos domingos essa tradicional feira, além das muitas barraquinhas com antigüidades, abriga artistas locais de todos os gêneros: de dançarinos de tango a mímicos, sendo palco, também, de artistas anônimos, em busca de alguns trocados e diversão.
Após uma boa caminhada por entre os suviniers, antiguidades e apresentações de rua, fomos a um típico café para almoçar. Interessante como todos restaurantes tem uma parte externa para atendimento e para ingressar de forma definitiva no cotidiano da capital argentina, tomar um bom vinho e comer nessa área externa eram indispendáveis. E todos os lugares onde você toma vinho o mesmo é servido de forma excepcional. Taças, um copo de água, um pouco de vinho para avaliar sua qualidade, a cultura do vinho é presente de forma definitiva em Buenos Aires. Acompanhado de um sanduiche de “jamón” – presunto – seguimos em nosso almoço até que um evento inusitado aconteceu, ou melhor, se repetiu. Um grupo de turistas italianos almoçava no restaurante do lado, quando alguem, da mesma forma sorrateira, uma pessoa pegou a bolsa de uma das senhoras e saiu de fininho, pegou um taxi e, antes que o mesmo desse partida, uma das pessoas do grupo se jogou na frente do carro, abriu a porta e arrancou o ladrão de dentro do automóvel, imobilizando-o. Em dois dias de Buenos Aires, fui testemunha ocular de dois assaltos mau sucedidos, praticamente un novo record! Como no dia anterior, a polícia algemou, interrogou e levou o elemento. De forma fiel ao meu roteiro de viagem, fomos eu e Karla fazer um city tour em uma empresa que, diferente das tradicionais, faz roteiros turísticos com bicicletas. A empresa se chama Bicicletas Naranjas e estava mais que anotada nos meus planos de viagem. Infelizmente a Jenifer não foi conosco, pois não estava usando tênis. De bicicleta as sensações de apreciação da cidade são mais vivenciais. Você pode conhecer as ruas, caminhos, pontos turísticos e “sentir” o que a cidade tem a lhe oferecer. Fomos a Parque Lezama, onde foi fundada a cidade de Buenos Aires, o bairro d´La Boca, el Carminito, estádio do Boca Juniors e circulamos o bairro de Puerto Madero seguido de uma parada na casa rosada e praça de mayo. Passeio super interessante e descontraido, mas de forma rápida, apenas para ter uma noção da abrangência dos pontos turísticos da cidade. Depois do passeio, voltamos à Puerto Madero a pé para conhecer uma barraca de Parrilla, ou seja, uma banca de rua que vende carnes. Muito legal, comi um choripan, que é um chorizo com pão francês, muitos molhos legais e um sabor típico de comida de rua. Caminhamos um pouco e Karla pegou um taxi para sua casa. Voltei para o hostel caminhando e curtindo um pouco do visual de Puerto Madero, bairro que me agradara muito. Antes de ir lá, passei na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, estava tendo uma missa e resolvi parar para assistir. Qual a diferença da missa católica de Buenos Aires para as do Brasil? A língua, pois todo o ritual de celebração é idêntico. Interessante forma de treinar espanhol e pedir uma bença. Fim do dia, de volta ao hostel, precisava ligar pra casa pra saber da minha família. Pois triste notícia veio pelas ondas do telefone: minha avó que estava hospitalizada havia falecido na madrugada anterior. Péssima novidade para quem tinha engrenado na viagem. Início de férias bombástico ter que vivenciar um fato dessa magnitude a distância. Infelizmente não dá para conter as lágrimas nessa hora. O José Luis estava no balcão do pub do hostel e me deu uma força naquele momento, conversamos um pouco e tomamos um choop para desopilar. Ainda liguei para Karla, que também me deu uma força por telefone, e desmarquei qualquer programa que teria para a noite. A cabeça naquela hora não estava para festas. Esperei a bebida fazer um pouco de efeito e fui pra cama, era o melhor que eu tinha pra fazer naquela noite, dormir para no dia seguinte cedo ir para meu primeiro dia de aula de espanhol.
Após me acomodar no Hostel, fomos eu e Marcela dar uma caminhada pelo bairro. Primeiras sensações de estar em um lugar bem diferente do seu, San Telmo é um dos bairros mais antigos de Buenos Aires, localizado ao sul da Plaza de Mayo, ostenta casas coloniais restauradas, onde residem muitos artistas. Sua beleza história em nada deixa a desejar ao Recife Antigo, bairro da minha cidade, apenas difere por um fator: todas as casas estão bem conservadas e preservadas, diferente do bairro da minha cidade, largado e com casarões históricos entregues às intempéries. Também caminhamos pelo bairro de Puerto Madero, mas de forma rápida. Tempo nublado e fome apertando, fomos para o Restaurante Desnível, uma das muitas sugestões de quando eu estava montando meu roteiro de viagem. Muito agradável, de visual bem simples e boa comida. Comecei o meu turismo gastronômico aqui, comi um bife de chorizo, costela e uma morsicha (este último odiei). Diferente de nós, a carne quando é pedida vem sempre só ela, no máximo uma salada. Seria meu primeiro dia de muitos sem ver o bom e velho feijão com arroz. Também outra particularidade é um pratinho de pães que vem sempre antes da refeição, geralmente acompanhado de um molhinho. Durante a refeição tentei treinar um pouco do meu espanhol com Marcela, mas foi uma experiência na qual prefiro nem recordar. Foi ai que vi o quanto iria precisar das minhas aulas que iniciaria na segunda feira Outra coisa que conheci na prática foram os asssaltos. Aqui, os ladrões pegam de forma sorrateira sua bagagem, bolsa, mochila ou carteira e saem de fininho. E porque na prática? Um ladrão tentou levar a bolsa de uma senhora no restaurante e se deu mau. Quando ele estava bem sorateiramente saindo do restaurante, um dos clientes gritou, correu atrás dele e agarrou-o, assim como outros clientes, imobilizaram o sujeito até a policia chegar. Engraçado como as pessoas se asustam de forma tão grandiosa com esses fatos, acho que para brasileiros que viem em Recife como eu esse fato é mais simplório, e até tranquilo, já que não houve abordagem com arma de fogo, violência física e coisas do tipo. Sairmos para caminhar, mas o tempo estava muito nublado, quase sempre. Uma falha do meu projeto de viagem foi a escolha do mês: Março é o mês mais chuvoso do ano. Por isso os preços nessa época estavam mais convidativos. Marcela voltou para casa e combinamos de sair mais tarde. Voltei para o hostel, descansei um pouco e fui tomar banho. Porém, liguei para Marcela e ela havia gripado quando chegou em casa, desmarcando nossa saida. Estava chovendo muito em seu bairro e ela pegou um temporal entre o ônibus e a porta de casa. Pena porque esse era o último dia em Buenos Aires que eu a viria, pois no dia seguinte ela teria que viajar à trabalho. Meu primeiro dia em Buenos Aires, já seria o último com minha amiga portenha.
É estranho quando uma coisa de quando você é criança adorava, se tornar uma amálgama de stress, medo, tensão e desgaste. Essa coisa se chama aeroporto, e seu principal morador, ou melhor visitante: o avião. Até o dia em que eu precisei viajar para Goiânia à trabalho viajar de avião era algo até divertido. Hoje qualquer turbulência, curvas e solavancos, são motivos de nervosismo e inquietação. Somado a isso, ainda existe a tensão pré-vôo, de imaginar que vou perder o vôo, e a tensão pós-vôo, de que minha mala teria sido extraviada. Mas tudo bem... 12 horas conhecendo os principais aeroportos do Brasil me fizeram conhecer meus principais amigos de viagem antes mesmo de começá-la. Já em Guarulhos, durante a caminhada entre uma aeronave e outra, conheci um camarada que estava indo para Porto Alegre "para terminar um namoro". Forma bem cara de se terminar um relacionamento. Após a conexão em Porto Alegre, tive o desprazer de ver sentada, de forma bem confortável em meu assento, uma senhora portenha que insistia que esse era seu lugar. Falando alto e de forma decidida de que aquele era seu assento, solicitei ao comissário que meu lugar fosse trocado, sem ônus para a companhia, já que a mesma tinha tanta certeza, creio que o meu bilhete estivesse errado. Coincidência, minha nova vizinha de assento havia passado pelo mesmo problema e solicitado a mesma solução aos comissários. Estavamos lá duas pessoas na mesma situação cômica trocando conversar sobre a viagem que começava. E assim fiz minha primeira amizade: Karla, uma paulista que morava em Porto Alegre, e que estava indo para Buenos Aires estudar espanhol durante duas semanas, outra coincidência. Aeroporto Internacional de Ezeiza, Buenos Aires, 11:40. Há 35 km do centro de Buenos Aires, a média de tempo de percurso até lá é de 40 minutos, através da auto-estrada, logo a opção mais confortável e mais segura para quem estava viajando pela primeira vez foi o taxi. Ainda no aeroporto tive o prazer de rever uma grande amiga minha, Marcela, Argentina de Buenos Aires que conheci numa mochilada inversa a minha. Ela já fora ao Brasil diversas vezes e a conheci em uma dessas quando estava de passagem pelo Recife. Karla aproveitou para pegar uma carona no mesmo taxi, já que tanto o bairro onde estava o hostel Che Lagarto quando a casa de família onde ela iria ficar hospeda estavam no mesmo sentido. E lá estava, Hostel Che lagarto Buenos Aires, um de dez de uma mesma rede de albergues particular que tem hostels em vários paises da América do Sul, inclusive Brasil, todos credenciados pela Hostelling Internacional, ou Albergue da Juventude, a maior e mais respeitada rede de albergues do mundo. Primeira impressão de quem nunca tinha ficado em um albergue fora de estranheza, talvez não que tenha sido culpa do hostel, mas sim da ansiedade acumulada de mais de 6 meses de planejamento desde a idéia ter brotado na minha mente até aquele exato lugar. Alí, depois de ter ouvido muitas palavras de reprovação e dúvidas sobre o sucesso da viagem, durante os seis meses de seu planejamento, creio que a sensação de estranheza refletia outra sensação: a de ter varrido a frustração de nunca ter começado.
Dados:
Empresa aérea: Gol Transportes Aéreos S.A. A opção mais barata dentre as empresas que fazer esse percurso. Detalhe: é mais barato o trecho Recife/Buenos Aires do que Recife/São Paulo, ironia das ironias, uma das minhas escalas.
Hostel Che lagarto Dentre as várias opções de albergues, essa foi a que aliava os melhores preços, boa localização, boas indicações e descontos para próximas hospedagens em hostels da mesma rede. A primeira opção era o Milhouse, também muito indicado, mas já se encontrava lotado. Já havia feito a reserva do Brasil para evitar contratempos.
Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e simplesmente ir ver
Relato cronológico da viagem feita entre 01/03 à 16/03 de 2008 entre a Argentina e o Chile, começando por Buenos Aires (07 dias), depois Mendoza (03 dias) e Santiago (5 dias) - sendo um dia para Viña del Mar e Valparaiso -, com o objetivo de conhecer a gastronomia, lugares turísticos, históricos, culturais, costumes, esportes de aventura e aprender espanhol.