Acordei com uma ressaca inconveniente. Esfreguei os olhos algumas vezes e pensava naquele último dia. Além da ressaca da bebida também vinha a ressaca do término da viagem, tudo aquilo terminaria naquele dia e estaria eu de volta a minha rotina de trabalho. Virei o rosto e vi uma menina trocando de roupa bem despreocupada, apenas de roupas de baixo escolhendo o que vestir. Me levantei calmamente mas olhando para o lado contrário para que ela não entendesse que eu a estava olhando, porém a vergonha que eu imaginei que ela sentiria não existia. Ela veio em minha direção e me cumprimentou tranquilamente, voltando para perto de sua mochila e terminando de escolher as roupas. Ela era espanhola e se chamava Gema Iriarte. Trabalhava como garçonete na Espanha e, com o dinheiro que juntava, batia perna pelo mundo sempre que possível. Parecia ser muito espontânea e divertida. Tomei um banho, arrumei algumas coisas da mochila e desci do quarto.
Perguntei ao Nico, rapaz da recepção, alguma programação legal para se fazer naquele dia. Logo me lembrou que era dia da feira de San Telmo, domingo: “Poxa, como poderia ter esquecido” pensei. Tomei o destino da rua e sai para ver a feira de forma mais plena. Ver a feira pela segunda vez me fez vê-la melhor. Andei calmamente pela rua principal parando no numero cada vez maior de barracas para admirar as diferentes bugigangas e quinquilharias. Foi mais interessante do que da primeira vez e de certa forma me deixava mais aliviado da minha ressaca de fim de viagem. Aproveitei para comprar as lembranças que queria: camisas, alguns quadros engraçados... nas andanças, dentro de um galpão, havia um grupo de tango eletrônico chamada Tanghetto o qual troquei algumas idéias e comprei seus CDs, utilizando os reais que sobrara já que essa altura do campeonato os pesos já estavam no fim. Andei bastante, me diverti com as estátuas vivas, cantores de rua e demais artistas. Voltei para o hostel mais tranqüilo e aliviado. Naquele passei vi o quanto eu já estava íntimo de Buenos Aires. A cidade realmente havia me cativado e poderia morar tranquilamente nela.
De volta o Nico me disse que um italiano iria para o aeroporto no mesmo horário que o meu. Arrumei minha bagagem e fiquei a esperar por ele no saguão. Havia algumas pessoas conversando inclusive a Gema, de sorriso largo, humor sempre elevado e agora com trajes menos sumários, além de dois rapazes de origem hispânica e uma inglesa. Logo chegou o Giapo Harlock, um italiano com mais de 30 anos, calvo e de fala tranqüila. Troquei uma idéia com ele sobre os horários da ida e combinamos de pegar um taxi em comum. Somando o Giapo ao grupo que estava no saguão, conversamos um pouco e combinamos todos de almoçar em um restaurante do lado do hostel. Nunca imaginei que logo no último dia faria novas amizades. Fomos almoçar e o diálogo era um pouco complicado. A inglesa só falava inglês, os hispânicos e a Gema só falavam espanhol, porém esta última arranhava no inglês. Apenas eu e o Giapo que falávamos as duas línguas. Vez por outra falávamos a mesma coisa nas duas línguas para universalizar as piadas e os diálogos. Foi um almoço muito divertido, principalmente por parte da Gema que era muitíssima engraçada e morríamos de rir com suas historias e jeito espontâneo de falar as coisas. Apressei o Giapo pois a hora do vôo já estava próximo.
Voltamos para o hostel e fui pegar as malas, fiz o check-out, e fiquei conversando com o pessoal no hall esperando o Giapo descer com suas malas. Eu já estava preocupado com o horário e procurei apressá-lo, pois ele estava mais calmo já que seu horário do vôo era depois do meu. Despedi-me dos novos amigos como se fossem antigos conhecidos, principalmente da Gema que havia cativado a todos. Também me despedi do Nico e do hostel de maneira mais nostálgica. Peguei seus contatos e segui para o taxi.
Eu e o Giapo conversamos muito no caminho para o aeroporto, principalmente sobre música. Eu falei do Tanghetto e ele contou que havia comprado discos de outra banda: o Bajo Tango, que ouvi em seu Ipod. À medida que o tempo passava eu ficava mais nervoso, pois ia chegar no aeroporto a quase 1 hora do vôo, não tive nem tempo de me despedir da paisagem da janela. Perto de chegar vi que não teria dinheiro para pagar a minha parte do taxi (nem pensem que eu queria dar um calote no pobre do italiano) e combinei de sacar alguns pesos no aeroporto. Nossa, eu estava muito tenso por causa do horário e desci as pressas para fazer o check-in da bagagem. Ao chegar ao balcão, fui informado que o mesmo já havia se encerrado. Putz... como isso só aumentava minha tensão, e a viagem que até ali estava dando certa (com exceção dos vinhos), teria um final trágico. Pedi para abrirem uma exceção, fiz cara do gato de botas do filme Shrek e deu certo: uma outra moça do balcão, que falava português, pegou a minha bagagem e despachou-a. Corri para o caixa para sacar dinheiro e o mesmo estava com uma fila imensa. Fui tentar trocar os reais por pesos e também não adiantou, pois a casa de cambio estava fechada. Paguei a taxa de uso do aeroporto e fui falar com o Giapo que estava na fila para fazer o check-in da sua mala. Eu, muito nervoso, perguntei se ele aceitaria a parte dele em reais, e expliquei os percalços que tive. Ele, muito simpaticamente, disse que não precisava e que estava tudo bem. Perguntei mais uma vez mas o mesmo disse que não era necessário e que não tinha problema. Agradeci muito e sai em direção ao embarque, entrei no avião e segui de volta para a minha terra.
Ainda era dia e a decolagem foi tranqüila, a vista aérea era fantástica e o por do sol da janela do avião completava a nostalgia do retorno para casa, apenas as turbulências que sempre insistiam em guinar meu medo de vôo. A volta foi mais tranqüila que a ida, apenas uma conexão em São Paulo e uma ligada para meus pais para dizer que estava a caminho, muito mais rápido que a vinda. Naquela altura do campeonato era estranho ouvir várias vozes em português ao meu redor. A chegada foi legal, rever a família e no dia seguinte voltar à rotina de trabalho. Tudo como eu havia deixado antes? Talvez não. Algumas coisas mudaram principalmente eu. O homem que volta de uma viagem não é o mesmo que foi para ela, como já dizia o saudoso Che Guevara, e naquele momento eu não tinha dúvidas disso.
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