quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Mochilão 2008 - Dia 11

Pelas montanhas, rumo à antiga ditadura


Acordei ainda de madrugada, o sol nem havia nascido e eu com todo o cuidado do mundo tirava minhas coisas devidamente arrumadas do quarto para a sala, em silêncio e sob a luz do display do celular para não acordar os demais companheiros de quarto. Tomei café e pedi um taxi, paguei as contas e ainda cumprimentei o German que acordara cedo para ir ao banheiro. Mendoza iria deixar saudades, mas também frustrações, grande parte delas de minha inteira responsabilidade. Um sentimento de comodismo não me fez buscar mais diversão, talvez motivado pelo peso da grana que gastara em Buenos Aires, a falta de pessoas que gostavam realmente de se divertir e a calmaria da cidade refletida nas siestas diárias justamente nos horários em que eu preferia caminhar pela cidade... Bem, creio que esse sentimento não terminaria com Mendoza mas novos horizontes estavam por vir e eram neles que minha mente estava focado agora.
Comprei a passagem e entrei no ônibus sob o céu laranja do amanhecer. Poderia ter viajado pela madrugada, 7 horas de ônibus saindo na calada da noite poderiam me economizar uma diária e a experiência bem sucedida entre Buenos Aires e Mendoza serviriam de motivação. Porém, outras aspirações me fizeram optar por perder metade de um dia dentro de um ônibus. Das muitas dicas de viagem que havia coletado, uma delas falava sobre a vista fantástica de cruzar os Andes dentro de um ônibus, ou carro, e essa vista seria difícil durante da madrugada valendo assim uma travessia diurna pela estrada. Seu início me era familiar, fora o caminho até a base do Rios Andinos, empresa de rafting no dia anterior e inclusive passei por ela. Houve um acidente na estrada, logo no começo, que fez a viagem aumentar em 1 hora. Dois policiais mortos em uma perda de rumo na estrada que terminara com a viatura destruída no acostamento – Triste - Estava eu de pé vendo o movimento de viaturas e carros passando e o ônibus parado na estrada. O frio dos Andes naquela hora da manhã era grande e a neblina intensa. Seguida a viagem, terreno montanhoso e muitas curvas, descidas e subidas, por muitas vezes em zigue zague, não tirava os olhos da paisagem, montanhas gigantescas que pareciam não ter fim. Como minha fiel companheira de colo estava o vinho de 90 pesos como bagagem de mão para evitar surpresas de maleiros descuidados. O tempo passava rápido, a paisagem me entretia, era deslumbrante a vista dos Andes de dentro dos Andes. Estações de esqui desativadas no verão, estações de eletricidade, linha de trem, influências antrópicas eram inevitáveis naquela natureza gigantesca. E quem imagina que natureza eram só arvores e cachoeiras concluía que também existe beleza natural em meio a pedras e gelo.





Parando na Alfândega chilena, o clima super frio do lado de fora do ônibus enquanto aguardávamos autorização para entrar informava que eu havia escolhido roupas inadequadas para a viagem. A alfândega era uma estrutura com um grande portão que criava um ambiente agradável internamente, deixando do lado de fora o frio que ainda estava longe de ser um verdadeiro frio de inverno, a neve era vista apenas distante, no topo das montanhas, algumas caindo lá de cima derretendo com o crescente calor do dia que surgia. Mas a frieza não só vinha das gélidas montanhas, como também do interior dos guardas. Demora, troca de cartão de imigração, instruções sobre alimentos que não poderiam entrar no Chile, contrabando, coisas do tipo. As malas foram retiradas para passar pelo raio X e cães farejadores vasculhavam nossas mochilas em busca de artefatos ilegais, tudo isso sob olhares cerrados, autoritários e julgosos. Depois de tanto tempo seguimos viagem, já em solo chileno, percorrendo o restante dos Andes que ainda estavam à frente, aos poucos surgiam vilarejos e casas de veraneio. As montanhas iam ficando para trás e a expectativa da chegada a Santiago era grande, mas muito chão ainda vinha pela frente. A graça de toda viagem já passara e agora circular entre conjuntos habitacionais e áreas industriais estava enfadonho. Não pude distinguir o momento exato, mas um determinado momento percebi que já estava em Santiago do Chile, chegando à estação de ônibus e na expectativa de pisar em solo chileno pela primeira vez.
Na estação peguei a mochila e dei algumas voltas, as vezes passava pelo mesmo lugar, como se estivesse fazendo um reconhecimento de campo, ou mesmo vendo como a dinâmica daquela nova cidade funcionava. Estava com medo de pegar um taxi, pois todas as coisas que ouvira sobre os taxistas chilenos falavam de sua malandragem. Às vezes as pessoas perguntavam se eu precisava de ajuda, eu negava não dando muita atenção. Logo identifiquei como chegar ao hostel pelo metro, que tinha uma estação bem perto. A propósito o metrô de Santiago é algo que merece destaque e essa opinião não é apenas minha. O metrô de Santiago é limpo, organizado, pontual, abrange toda a cidade e, assim como toda a rede de transporte da cidade, é impecável. Grandes avenidas bem sinalizadas, com faixas de ônibus exclusivas que também eram organizados e limpos, e o metrô era agradabilíssimo de andar. Ao descer na estação Los Heroes, cheguei ao meu mais novo endereço: o Che Lagarto Santiago.
Se hospedar em um Che lagarto dava desconto de 10% para se hospedar em outro e os preços do Che que já eram convidativos tornavam a estadia mais econômica ainda. O novo Che lagarto em que estava era mais limpo e confortável do que o de Buenos Aires, sua área era mais ampla e possuíam serviços que não tinham no anterior como lavanderia e aluguel de toalha. Esse última de suma importância pois minha toalha estava molhada desde Mendoza por ter estendido a mesma e uma maldita chuva ter deixado ela mais encharcada do que antes. E por falar em toalha eu realmente precisava de um bom banho e era isso que eu faria. A recepcionista super simpática e atenciosa mostrou-me todo o hostel, suas acomodações e salas, o quarto onde dormiria e os beliches de metal pesado que não rangiam quando alguém subia nele. A única desvantagem do hostel era a falta do Pub que tinha no de Buenos Aires, onde a possibilidade de interação com demais mochileiros era maior. De toalha alugada e mochila acomodada sobre a cama, vinhos devidamente arrumados principalmente o de 90 pesos que viajou em meus braços como uma criança de colo durante a travessia da cordilheira, agora era hora de um super banho. Banheiro grande, água morna e 1 hora de sabonete, xampu, tudo o que tinha direito inclusive abusar do tempo, coisas que os cartazes na parede pediam que não acontecesse. Meu pequeno sabonete já estava terminando e eu precisaria comprar mais. Abrindo um parênteses sobre esse sabonete, algumas táticas de viagem que tentei aplicar nessa não estavam dando certo em sua totalidade, uma delas era a meu kit de higiene pessoal altamente compacto. Tudo o que eu precisava para a viagem procurei reduzir ao máximo: escova de dentes pequena, sabonete de motel (2 unidades), shampu 2 em 1, também de motel, uma escova de cabelo daquelas que literalmente cabiam na palma da mão e um frasco de perfume de amostra grátis. Todo o kit estava atendendo aos requisitos de compatibilidade e usabilidade, exceto o mau dimensionamento da quantidade de sabonetes e o fato de ter ignorado um alicate de unha. Iniciar a viagem com as unhas devidamente cortadas, em meus planos, daria para viajar durante 16 dias e não me incomodar com elas, porém as mesmas já estavam medianamente grandes e a pele das pontas dos dedos grossa e incomodava muito, talvez o clima tenha contribuído para tal, mas aquilo me incomodava. Os sabonetes estavam no fim e pelo visto seria necessário comprar um novo. Dados estes serviriam para melhor dimensionar as próximas viagens. Após o grande banho desci para dar uma volta.
Já era meio de tarde e não tinha muito que ver. Peguei um mapa que na verdade era uma fotocópia de um original no balcão do hostel e sai rua acima. A máquina necessitava urgente ser carregada mas a entrada da tomada do Chile é diferente da Argentina, logo teria que comprar um novo adaptador pois o de Buenos Aires agora não me servia de nada. Já havia marcado de encontrar com algumas pessoas de encontrar previamente durante minha estadia em Santiago e isso minimizava a sensação da dificuldade que teria em construir um novo ciclo de amizades. Uma delas era a Hilda, grande amiga minha de Natal que estava em Santiago a trabalho naquela semana. Outra era a Elaine que eu havia conhecido no Orkut na época das pesquisas da viagem e que estaria em Santiago na exata semana em que eu, vinda da Nova Zelândia e na seqüência iria para fortaleza, sua terra Natal. Por último o Cristian, o chileno de Buenos Aires, que disse a poucos dias do meu retorno que estaria em sua cidade no período em que eu estava por lá, e que poderíamos prolongar as farras da capital portenha em terras chilenas. Sai para usar uma lan house e fazer alguns contatos e encontrei a Elaine na internet, me dizendo que tinha chegado no hostel no horário marcado, mas que eu não estava lá. Pedi para ela voltar e, após alguns e-mails, voltei e me encontrei com ela.
Aproveitamos a luz do sol, apesar de ser aproximadamente 18:00, fizemos um city tour relâmpago ainda perdido pela nova cidade, perdemos um certo tempo caminhando em direção oposta até acertar onde ficava a Plaza de las Armas. Na área central de Santiago ficavam a grande maioria das atrações urbanas da cidade. Museus, praças, área de convício social, enfim, uma boa caminhada já traduzia para os olhos e demais sentidos dos turistas toda a realidade social, cultural e profissional da cidade, bem como a dinâmica destes. Uma dezena de monumentos de importância histórica para a cidade de Santiago ficavam nessas redondezas, inclusive a sede do governo chileno, o Palácio de la Moneda que tem esse nome porque já foi a casa da moeda chilena mas agora é a sede do governo Chileno. Muitos militares nas ruas refletiam a recente ditadura chilena, que terminara em 1990 após 17 anos sobre a mão de ferro de Pinochet. Logo na seqüencia estava a Plaza de Las Armas, local de descarregamento de frutas e enforcamento de criminosos no passado, hoje abrigava diversas manifestações culturais, pintores, artistas de rua e simpáticos velhinhos jogando xadrez em uma espécie de associação onde qualquer um poderia disputar uma partida a um custo que não me recordo no momento. Uma apresentação de luta oriental, grupo musical indígena eram algumas das manifestações do cotidiano Santiaguense. O entorno da praça abrigava diversos prédios importantes da cidade, como a prefeitura, a catedral metropolitana, correio central e museu histórico nacional. A mais interessante, e porque não perigosa, característica das ruas nessas redondezas é a falta de meio fio, fazendo com que passagem de pedestres e calçadas fiquem no mesmo plano, fazendo com que desorientados corram o risco de serem atropelados. Entramos em uma igreja mais afastada e tiramos algumas fotos. Seguimos na esperança de conhecer o mercado municipal de Santiago, muito citado nas minhas pesquisas, mas que infelizmente já estava fechado porém comemos um tradicional empanada, típico pastel chileno cujo recheio era bem mais generoso do que o famoso pastel de vento brasileiro. Haviam de vários sabores, queijo, carne, frango e até mesmo marisco. A venda onde comemos a empanada lembrava em muito das bodegas do Recife, vendia todo tipo de gêneros alimentícios, bebidas e comidas de botequins. O dono, bem como os freqüentadores, muito simpáticos e curiosos sobre nossas origens brasileiras, logo nos orientavam sobre assaltos e demais cuidados em terras chilenas. Fomos mais atrás do mercado e vimos algo que parecia ser uma estação de trem abandonada e, ao longe, o Morro Santa Lucia. Seguimos de volta ao Hostel por outra rua e paramos em um supermercado para comprar coisas. Um novo sabonete era fundamental para corrigir meu mau dimensionamento dos sabonetinhos trazidos do Brasil. Garrafão de água para me sustentar nos próximos 5 dias, macarrão... algumas coisas básicas e a Elaine comprou coisas que também lhe interessavam. Como o Che lagarto ficava no caminho do Hostel da Elaine, nos despedimos na porta deste e combinamos o roteiro do dia seguinte, bem como dois demais dias.
Cheguei ao hostel, cansado e pronto para cair na cama. Havia um atendente no hostel chamado Luah que era brasileiro e DJ, super gente fina e de boa conversa, fiquei trocando uma idéia com ele e mais duas pessoas antes de me deitar, uma delas uma argentina cujo nome não lembro mas que estava na cidade para ir a um casamento da família, cujos pais iriam chegar no dia seguinte e estava na capital chilena por antecipação para aproveitar mais. Cansado, fui a cama, era o melhor a se fazer.


Notas:

Cordilheira dos Andes

Chile

Che Lagarto Santiago

Santiago

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