Registro da Viagem de 2008 entre a Argentina e Chile, relatada dia a dia toda a experiencia vivida
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Mochilão 2008 - Dia 12
O alto e o maior
Acordei cedo para aguardar Elaine e seguirmos nosso roteiro naquele dia. Havia também combinado para ir com a Hilda, mas por algum motivo que não lembro, ela não pode ir. Marcamos no próprio Che lagarto e seguimos de metrô para o bairro Bellavista, ponto pouco mais distante onde se encontrava um punhado de atrações que iríamos visitar naquele dia. O primeiro ponto de parada foi o Morro (ou “Cerro”, em espanhol) San Cristóbal, segundo ponto mais alto da cidade e também o parque municipal. Nesse “complexo” esta localizado o zoológico de Santiago, um anfiteatro e um santuário. O caminho da subida poderia ser feito a pé, mas o meio de transporte mais usual (e mais racional, a não ser que você seja um triatleta) é o funicular, espécie de trenzinho em forma de escada. Mas antes providenciei e comprar um suvenier de meu particular interesse: um gorro de frio do tipo que se usa nos Andes. Não me pergunte porque mas sempre quis ter um desses. Logo de cara se vê porque uma subida a pé seria insana. O simpático funicular sobe muito até chegar a ultima estação. No caminho para quem quiser descer tem o zoológico em um nível mais intermediário, porém somente o cume interessa (fiz esse trocadilho intensional). Eu e Elaine ainda caminhamos um bocado para subir, tiramos algumas fotos e tivemos uma ótima idéia: cada um ficaria de posse da máquina do outro, tirando fotos do parceiro evitando o famoso: “eita, toma a minha máquina e tira uma foto minha aqui”, isso nos rendeu muito tempo e muitas fotos um do outro. Creio que foi a fase da viagem que mais tirei fotos minhas, ou melhor, tiraram, no caso a Elaine. A vista da cidade era fantástica, seria melhor se não fosse a intensa nuvem de poluição que cobre a cidade de Santiago. A vista dos Andes se resume a uma silueta longínqua e que por muitas vezes depende da imaginação do observador. No ponto mais alto havia uma estátua da virgem Maria, grande e saudosa, enchia os olhos que quem chegava. Tiramos milhares de fotos, sentamos um pouco para conversar e apreciar a paisagem. Pelo menos nesse trecho da viagem eu tinha uma espécie de dupla para conversar, diferente de outras vezes onde eu pertencia a um grupo, companhias esporádicas ou mesmo sozinho planejando meus trajetos. E a vantagem fotográfica que a Elaine trazia eram grandes, eu detestava tirar fotos apenas do ambiente, gostava de protagonizar as fotos de preferência bem naturalmente como em várias que foram tiradas e a Elaine era boa nisso. A Elaine era uma pessoa bem tranqüila, havia trabalhado na Nova Zelândia por algum tempo e tinha inclusive deixado um namorado lá a sua espera. De fala mansa, estava indo de volta para fortaleza onde residia sua família, para aguardar novos trabalhos no exterior, possivelmente na nova Zelândia ou em outros lugares. Cogitou inclusive de ir trabalhar em algum cruzeiro, mas ainda estava por decidir. Não falava espanhol mas eu sempre a auxiliava nesse ponto. Sua tranqüilidade por vezes parecia incoveniente com minhas constantes brincadeiras e jeito falastrão de falar da minha vida, mas logo vi que não se tratava disso por vezes rindo e ouvindo atentamente o que eu falava e fazia. Descemos a uma loja de artigos religiosos e pensei em comprar alguma lembrança para a minha mãe, tanto pela religiosidade dela quanto da minha falecida avó, cujo suvenier poderia trazer conforto espiritual naquele momento difícil que a família atravessava. A Elaine também era bastante religiosa e comprou diversas imagens, inclusive perguntou ao vendedor se um padre poderia benzê-las. Achei que ouviria uma negativa ou desculpa seguida de olhar de desdém, mas o vendedor foi bastante solicito e chamou via rádio o diácono do santuário para vir atender a solicitação da minha amiga. Conversamos um pouco sobre nossos países e descobri que o Chile tinha 2 santos reconhecidos pela igreja, fato que trouxe certo ar de brincadeira e alegria para o clima da conversa pois o vendedor disse que a maioria dos brasileiros o frustram dizendo sempre que o Brasil é o maior, melhor ou que tem mais em todos os aspectos que o Chile, e agora ele sabia que o Chile tinha mais santos que o Brasil e poderia brincar com essa informação para com os demais turistas brasileiros vindouros. O diácono chegou, também muito simpático, e abençoou as imagens. Agradecemos e seguimos nosso rumo em direção a mais uma atração das redondezas. Descemos do funicular e buscamos logo nos informar de como chegar na “La Chascona”, uma das três casas do poeta maior chileno, Pablo Neruda, que agora se tornara um museu em memória ao poeta, bem como as demais que ficam em Valparaiso e Isla Negra, todas sob a administração da Fundação Neruda. Pablo Neruda é considerado um dos poetas mais influentes do mundo. Premio Nobel de literatura de 1974, participou do partido comunista e foi duramente perseguido pela direita, motivo pelo qual foi exilado e, com a ascenção de Augusto Pinochet após o golpe militar, teve essa casa saqueada e diversos livros queimados. A “La Chascona” foi construída para abrigar os encontros amorosos de Pablo Neruda e Matilde, inicialmente amante e posterior esposa fruto de um casamento não reconhecido tendo em vista que o poeta ainda era casado aos olhos da lei. A casa é grande, bem diferente das tradicionais que conhecemos. Com várias divisórias, área verde e uma parte interna com teto baixo, estadas, janelinhas e piso inclinado, tudo isso para imitar a parte interna de um barco cujo mar era uma das grandes paixões de Pablo. Fizemos uma visita guiada em espanhol pela casa, onde conhecemos todos esse detalhes, bem como alguns outros: a medalha do premio Nobel, manuscritos do poeta, sua coleção de copos coloridos, um armário que esconde uma passagem secreta... ver todos os detalhes e sutilezas da casa traduziam a vida e obra do poeta chileno, seus pensamentos e sua história. Saímos com as mentes cheia de novidades e pensativos de quanta coisa legal existe aqui do lado, no nosso continente, e não enxergamos. Bem perto da "La Chascona", fomos para uma parte do roteiro de sugestão da Elaine, um restaurante chamado “Como água para chocolate”. O nome não fazia sentido para mim, mas o restaurante era muito belo. O local era bastante exótico, lembrava um estabelecimento oriental, videiras pelos corrimões das escadas, cores avermelhadas, local de aspecto rústico mas proposital e de muito bom gosto, um restaurante ideal para levar a namorada, esposa ou companheira, o que não era meu caso com a Elaine. Conversamos bastante e comemos nossos pratos individuais, muito deliciosos por sinal. Terminamos a refeição e concluímos nosso passeio, voltando para as redondezas dos nossos hostels na esperança de pegar o mercado de Santiago aberto. Tomamos um metrô e seguimos caminhando, aproveitamos para visitar algumas igrejas próximas que estavam abertas. Visitamos a Igreja de São Francisco, a mais antiga igreja de Santiago, abriga a imagem da Virgem Maria, trazida do Perú para o Chile no início do século XVI pelo explorador Pedro de Valdivia, integrante da primeira expedição espanhola à região. Também exploramos melhor a catedral metropolitana e apreciamos seus adornos e suas imagens. A oportunidade serviu para finalmente saber quem eram os dois santos chilenos citados pelo vendedor da loja de artigos religiosos: a Santa Tereza de los Andes e Alberto Furtado, cujas imagens estavam em uma das igrejas. Também vi um confesionário, coisa que a tempos não via, e algum fiel delatando seus pecados para o padre em busca de perdão. Nas proximidades do hostel existam algumas igrejas, todas majestosas cujo porte refletindo a religiosidade dos chilenos. Seguimos em direção do mercado e como sempre participar do cotidiano da cidade de Santiago era uma atração à parte. Fora os tradicionais artistas de rua que já eram praxe, haviam grupos de estudantes recém-ingressos na faculdade pedindo dinheiro para algum fim, creio que a festa de calouros. Detalhe: todos estavam sujos de farinha, ovos e qualquer porqueira, além de estar com as roupas rasgadas e maltrapilhas, fruto de trote. Havia visto alguns logo que desembarquei em Santiago, mas dia após dia sempre os encontrava. Outra atração que vale a pena ser citada era uma banda chamada “Fuga” que estava tocando na rua. Justamente na hora em que estávamos passando eles estavam tocando, em espanhol claro, “Amigo” de Roberto Carlos. Parei para escutar e comprei um CD.
Finalmente chegamos ao mercado e ele estava aberto, ou melhor, fechando. Conseguimos entrar e observar seu interior. Interessante como qualquer mercado público do mundo parece igual, o mercado de São José em Recife é muito semelhante ao de Santiago, por exemplo. Estrutura de ferro, feirantes disputando no grito os clientes e sujeira básica. Haviam alguns restaurantes em seu interior e escolhemos um deles que ainda estava aberto para experimentar os frutos do mar tão falados do Chile. A vasta costa marinha chilena dava a este país uma forte tradição pesqueira. Seus frutos do mar são muito famosos e os pescados do Pacífico são bem diferentes dos nossos do Atlântico. Pedimos um ensopado que mais lembrava uma sinfonia marítima, com peixe, mariscos e outros seres que visualmente eram difíceis de distinguir, e talvez fosse realmente interessante não saber a procedência para não criar um bloqueio mental. O ensopado estava uma delícia, mas essa escolha não teve nosso mérito. O garçom muito simpático e conversador, nos fez essa sugestão unanimemente aprovada e seu bom papo complementava uma refeição super agradável. Saímos do mercado e me despedi de Elaine, porém ainda estava disposto a caminhar mais, pois o sol estava reluzente no céu. A propósito caminhar viria a se tornar uma atividade muito prazerosa em Santiago e toda a dinâmica social da cidade era um ótimo atrativo. Voltando pela Plaza de Las Armas, havia muita gente reunida na frente da Catedral Metropolitana onde dois caras contavam piadas e, pela risada, deveriam ser engraçadas, porém a velocidade com que eles contavam tornava a interpretação difícil. Algumas pessoas convocando as pessoas para um protesto em frente à embaixada americana, os pintores e jogadores de xadrez de sempre, gente e mais gente caminhando para todos os cantos, e em frente a Casa de La Moneda os guardas de sempre tomando conta da sede presidencial. Voltei para o hostel e, para usufruir da infraestrutura de cozinha que o local oferecia, procurei saber onde tinha um supermercado. Logo conheci o Santa Isabel, pequeno mas que tinha tudo o que precisava, inclusive bebidas de todos os tipos. Comprei material necessário para fazer uma bela macarronada e uma garrafa de vinho para acompanhar, além de um enorme saco de batatas fritas que me enchera os olhos. No hostel, fiz meu jantar e tomei a garrafa de vinho. Agradabilíssimo, acho que foi o melhor jantar individual que eu já fizera. Havia um casal de aspecto europeu que cozinhara antes de mim e ambos tinham uma mão cheia, fizeram uma macarronada que serviu de inspiração para a minha. Havia conhecido um sujeito muito rapidamente no dia anterior, o Marc Puszicha, um alemão estudante de cinema que estava de viagem pela América para conhecer o cinema de nosso continente. Gostava muito de falar de tudo, principalmente de cinema cujo gosto compartilhava. Ficamos na cozinha conversando e ele logo ofereceu para tomarmos Pisco, um destilado de uva que está para os chilenos assim como a cachaça para os brasileiros, a tequila para os mexicanos ou mesmo o saquê para os japoneses cujo interesse havia me sido despertado no período do projeto da viagem, fruto das muitas sugestões da internet e que havia incluído nas minhas metas de viagem levar pelo menos uma garrafa para o Brasil. Conversamos muito nessa noite e, a nossa conversa, um brasileiro de cabelo rastafári também participara algum tempo depois. Temas “cabeças” eram o forte da noite, incluindo religião, sociedade e todo tipo de tema polêmico. Apesar da interessante conversa, fui para a cama logo pois no dia seguinte teria que acordar cedo. Pedi para que a recepcionista incomodasse meu sono às 5 da manhã e fui dormir ajudado pelo vinho de forma satisfatória.
Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e simplesmente ir ver
Relato cronológico da viagem feita entre 01/03 à 16/03 de 2008 entre a Argentina e o Chile, começando por Buenos Aires (07 dias), depois Mendoza (03 dias) e Santiago (5 dias) - sendo um dia para Viña del Mar e Valparaiso -, com o objetivo de conhecer a gastronomia, lugares turísticos, históricos, culturais, costumes, esportes de aventura e aprender espanhol.
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