terça-feira, 26 de agosto de 2008

Mochilão 2008 - Dia 08

Despertar Mendocino


Meus olhos se abriram com uma certa dificuldade. O sol se mostrava ainda omisso mas alguns raios resplandeciam no horizonte e eles me mostravam o que o mundo todo lembra quando se ouve em falar na província de Mendoza: seus vinhais. Eram grandes e bem cuidados, pareciam não ter fim. Viajar pelo nordeste brasileiro em meios de transporte terrestre trazia as vistas uma paisagem de plantações e mais plantações de cana-de-açucar e essa mesma sensação eu estava tendo viajando pelas estradas de Mendoza, apenas trocando o produto plantado. À medida que o sol raiava a silueta da Cordilheira dos Andes se apresentava na paisagem como grandes protuberâncias gananciosas em serem primeiramente iluminadas pelos raios solares da manhã. Fantástica combinação! Os Andes ao fundo e os vinhais percorrendo a linha da minha visão. Só essa visão já iniciava com satisfação um dos principais motivos da minha visita à Mendoza: Conhecer seus vinhos e a cordilheira dos Andes.
O primeiro dia de estadia seria destinado apenas ao city tour. Um dia livre para conhecer a cidade e retomar a tarefa de fazer amigos e sair para novos lugares. Importante decisão deixando em aberto a agenda para possíveis empecilhos na viagem, que até o presente momento estava perfeita e superando qualquer expectativa inicial.
Chegando a rodoviário comprei logo um jornal para me interar sobre a cidade. Grande surpresa, aquele dia seria o dia da maior festa da cidade, a Vindimia 2008, algo como a festa da uva e do vinho. O jornal separava páginas e mais páginas para falar do festival que já tinha eventos ocorendo nos últimos 3 meses e naquele dia seria a festa maior, onde seria escolhida a Rainha da Vindimia 2008 em um grande espetaculo de show e dança.
Peguei um taxi e descobri que meu espanhol ficara em Buenos Aires: O sotaque espanhol nas regiões distantes do rio da prata é diferente e acaba por dificultar o meu entendimento. Novo hostel a vista, minha nova moradia seria a Huellas Andinas, opção feita devido ao forte apelo esportivo presente nas minhas pesquisas. De cara não gostei muito do hostel, mas depois teria certeza de que não era mesmo uma boa opção. Minhas reservas não estavam 100% confirmadas e tive sorte de me hospedar pois haviam vagas no local. A receptividade, diferente do Che Lagarto, não era calorosa e os quartos eram muito apertados. Logo cedo tomei café da manhã, as pessoas do Hostel ainda não tinham acordado exceto um cara chamado German, de aspecto magro e com óculos, que me pediu o jornal para dar uma lida. Entrei um pouco na internet e fiquei a pensar o que fazer naquele dia, consultando mapas e entrando em alguns sites. O German me disse que haveria um desfile diurno da Vindimia, a menos de uma quadra dalí, com todas as candidatas a Rainha daquele ano, um verdadeiro desfile de colírios e exacerbação enófila que remetia Mendoza. Durante a conversa chegou a Mariana, amiga do German, de estatura baixa e cabelos cacheados e ruivos bem intensos, para com os quais me ofereci para fazer companhia em ver o espetáculo na rua, no maior estilo cara de pau da cultura mochileira. Os dois eram da Província de Neuquén, mais ao sul da Argentina mas faceando a cordilheira também, davam aulas em uma faculdade e estavam em Mendoza para o festival. Do jeito que eu estava, com a roupa da viagem de 11 horas durante a noite, sem falar no dia anterior perambulando pelas ruas de Buenos Aires, segui em condições de higiene questionáveis para apreciar o festejo.
Gente de todas as idades, dos 30 aos 70 anos, algumas crianças e jovens claro, mas a maioria pessoas da meia vida pro fim. Guardas de trânsito, reporters de jornais, tudo para um festejo que seria a prévia da noite que estava por vir. Logo procurei me informar da dinâmica do evento: cada rainha representava um “departamento” da província de Mendoza, como assim eram divididas as provinciais argentinas. Cada rainha oferendava aos “súditos” o produto característico de seu departamento, em sua maioria uvas, mas também tinham maças, peras e melhões, que eram arremeçados para as pessoas que estavam em volta do desfile, com exceção do melão por motivos óbvios. Algumas pessoas criavam um dispositivo composto de cabo de vassoura com um balde no topo que servia para pegar a fruta diretamente da mão da rainha, ou de uma de suas auxiliares.

O desfile era grande e bonito, chegava a enfadar mas não por culpa da demora e sim do meu cansasso. Havia apresentações de carros antigos, gauchos, danças do ventre, grupos peruanos, colombianos, uruguaios... uma variedade imensa. Carros da prefeitura distribuindo camisinhas, até mesmo algumas rainhas “alternativas” digamos, Rainha da água, rainha da terra, até rainha travesti... tinha lugar para todas as dinastias, até mesmo para um grupo de protestantes que reclamavam da instalação de uma mina nas proximidade de uma fonte de água que abastecia a cidade que, digo de passagem, ficava no meio de um deserto. Coisa que até aquele momento eu não entendia: como Mendoza ficava no meio de um deserto e era puro verde, com ruas bastante arborizadas? A explicação estava em um eficiente sistema de canaletas que circulavam por toda a cidade e drenavam a água do degelo noturno do topo das montanhas. Nevava no pico durante as madrugadas e o gelo derretia durante o dia. Essa água escoava e descia pelas canaletas, alimentando todos os seres vegetais e animais da região.
Depois do desfile fomos dar uma volta para comer pela cidade. Nossa, cidade super esquisita. Parada com todos os estabelecimentos fechados. Era a siesta, coisa que nunca tinha visto na prática e que estava odiando. Depois do almoço todos fecham as portas e vão dormir, só reabrem as 17:00. Dei um passeio nas ruas e logo voltei pra casa na esperança de ainda ter um ingresso para a festa maior que acontecedia à noite. Doce ilusão, os ingressos que já estavam sendo vendidos faziam 3 meses estavam esgotados. Pensei em desistir, mas toda a cidade estaria la e eu não queria estar de fora do evento. Decidi ir com meu novo par de amigos, arricar a sorte por la, apesar de que eles já haviam se precavido e comprado os ingressos, tinha plena certeza que a função de cambista não era uma ideia exclusivamente brasileira. Fui tomar banho para sair, banheiro horrível, pequeno, com pouca água que escorria pelas paredes. Pouco funcional, não tinha onde pendurar as coisas e já estava começando a pegar abuso daquele lugar. Banho de gato tomado, hora de ir para o festival.
O lugar ficava em um espaço entre alguns morros chamado “teatro grego”. Era grande e especialmente planejado para grandes eventos como este. O acesso era feito por ônibus preferencialmente, com os quais seguimos viagem. Durante a caminhada, comprei a um cambista o ingresso, mais caro lógico, mas comprei. O ingresso que comprara, de cor verde, me daria acesso a ala menos nobre do evento, no fundão longe do palco, ao contrário dos de German e Mariana de cor roxa que ficava logo de frente ao palco. Infelizmente nos separamos e eu teria que ver o show sozinho. Sentei um pouco e fiquei vendo a movimentação inicial. Pouco tempo depois a Mariana apareceu do meu lado, disse que havia conseguido uns convites da ala roxa com um pessoal do departamento de Tunpugato, que estavam lá para torcer para a anfitriã de sua terra. – Jeitinho brasileiro na argentina? – Pensei, e pelo visto a Mariana era boa nisso. Logo e já estava com a torcida de Tunpugato, uma turma de pessoas composta em sua maioria de pessoas acima dos 30 anos, e uma animação mais contida do que a dos brasileiros com a qual estou acostumado. A única bebida alcoólica que vendia era vinho, em garrafas pequenas e práticas próprias para esse tipo de evento. Após alguns vinhos, começaram as apresentações. Primeiramente um dançarino cuja função maior era animar o público, dançando com uma parceira. – eso es Salsa – Me orientava a Mariana sobre o ritmo. – ahora es tango eletrônico –
???????
Tango eletrônico? Nunca ouvi falar, nem ouvi ouvir. Mas parecia legal.
Depois música para todos dançarem. Salsa, ritmos caribenhos, pagode..... isso mesmo, musica brasileira da pior qualidade, mas o pessoal me transformava no centro das atenções quando começou a tocar. Logo na seqüencia, Asa de Águia e a dança do vampiro.... mais de mil kilômetros de distância e a globalização me trazia essas músicas. Bem, muitas pessoas adoravam e dançavam e eu aproveitava a animação em geral. Tanto que muita gente subiu ao palco e a Mariana me arrastou para lá. Ao final da parte interativa da festa, começavam as apresentações. Show de música e dança, encenações que mais pareciam abertura de jogos olímpicos ou mesmo do criança esperança. Não encarem as comparações como deboche, pois o espetáculo era muito belo, impressionante e grandioso. Luzes, música, teatro e mais de 800 bailarinos dançando sincronizadamente em um cenário grandioso e bem produzido. E pensar que nada daquilo estava no meu roteiro de viagem.
Ao final a eleição da rainha da uva. Voto a voto as torcidas gritavam freneticamente aguardando o resultado final. E a campeã , adivinhem só: foi a rainha de tunpugato.
- Brasileiro pé quente !!! – pensei. E a festa estava garantida com a torcida a qual eu participava.
Fim de festa, a multidão voltando para seus carros ou para pegar os ônibus. Caminhada leve e com destino ao coletivo em meio a multidão. De volta ao albergue, buscar minha cama no meio do quarto escuro e pequeno, amotoado de beliches e lençois maucheirosos, sem banho para não tem que encarar aquele banheiro horrível mais uma vez. Para a minha sorte o cansaço era mais forte que tudo isso.








Notas:

Mendoza

Huellas Andinas Hostel

Vindimia 2008

Um comentário:

Nívia Gouveia disse...

"Cada rainha oferendava aos “súditos” o produto característico de seu departamento, em sua maioria uvas, mas também tinham maças, peras e melhões, que eram arremeçados para as pessoas que estavam em volta do desfile, com exceção do melão por motivos óbvios."
AINDA BEM QUE A JACA NÃO É UMA FRUTA TÍPICA ARGENTINA...